Mota's Car Wash and Gas

As rodas do automóvel estacavam seu giro suavemente, um aviso silencioso para a bárbie acomodada nos bancos de trás, com as costas bem apoiadas e um tédio que emoldurava perfeitamente o tédio mascarado em suas feições. Nas íris azuladas a estática da malícia, oculta pelas lentes negras dos óculos caros dispostos no belo rosto da petit.


— Teremos de parar para lavar o carro e abastecer, senhorita.

O timbre de seu motorista a trouxe a realidade penosa em que estava, o que a fez modelar um biquinho de insatisfação e soerguer o objeto em seu rosto, penteando algumas de suas madeixas loiras no ato. Ponderou se seria o mais apropriado aguardar dentro do carro, mas respondeu a sua dúvida poucos minutos depois abrindo a porta que lhe daria acesso ao estabelecimento em que estavam.

Rolou os olhos desinteressada. Não havia nada ali que chamasse a sua atenção e... Non, pensou, após ter um vislumbre de um garoto loiro de costas debruçado sobre um carro de cor que não distinguiu - por vontade própria, afinal, que interesse teria num carro qualquer?

— Hey! - a alusão francesa acrescida em seu sotaque era tão clara quanto os raios solares que incidiam sobre toda a cidade naquele dia.

Short curto preto, uma blusa branca de gola v - que exibia muito de de seu decote - e ambos aderentes às curvas salientes da loira, que esperava comprovar suas suspeitas. Afinal, caso se tratasse de quem ela pensava ser, poderia encontrar alguns meios de tirar proveito da situação.  

Resumia-se a isso, manipulação das mais caras que o poderio monetário poderia pagar, de jogadas arriscadas em prol do que almejava. No fundo sabia que todos entendiam seu enunciado em silêncio: segurem suas coroas, meninas e meninos, a chienne princesse está no jogo.

Logo que ele se virou e confirmou suas suspeitas Ketreen sorriu abertamente. Oh sim, estava satisfeita! Seguiu o olhar do garoto e encontrou-o no pouco tecido que vestia suas pernas, e, em seguida, em seu colo, exposto naquele modelo de blusa. As peças certas, pensou. Isto é, se você quer mantê-los distraídos e arrancar algo deles, pois se prefere a atenção dele voltada ao que diz, apostaria numa pintura carmesim nos lábios carnudos e atraentes.

Cada um joga com as armas que tem, correto? A única injustiça é que se tratando da petit Lohan, ela não conhece limites quanto a isso.

— Ahn... Talvez você possa... Me indicar a loja de conveniências mais próxima? - sua voz soou firme, embora reticente, mas na realidade a dúvida era apenas uma desculpa para ter com ele a sós.

Retribuiu o olhar alheio que antes visava seu corpo, mordendo levemente o lábio inferior com um princípio de sorriso que dava vida ao pensamento que imperava em sua mente naquele momento: como ele fica gostoso nesse uniforme!

Verdade seja dita talvez fosse ela nunca tivesse reparado nele antes, e, a animação devesse a isso agora. Por estar deitando nele um olhar mais analítico e desnudo de preconceitos por tratar-se do início do que poderia vir a lhe ser uma relação favorável. Ele era um dos membros antigos do New Directions, coral do qual a loira havia feito parte durante um breve período, e poderia partir dessa premissa para objetivar algum bem comum entre eles...

— Poderia me acompanhar? Não conheço muito dessa área e tenho certeza que seu chefe não vai se importar... - caminhou até o carro, mais apropriadamente da parte detrás desse e após abrir a porta dele e retirar da bolsa que se encontrava lá determinada quantia e entregar ao motorista instruindo-o a entregar ao chefe do garoto. - Só para garantir.

Falou ao voltar a se aproximar do loiro, com os olhos fixos nos dele e a interrogação ilustrando sua faceta meio divertida, com uma das sobrancelhas arqueadas, como se lançasse um desafio.

A despeito de suas más intenções sempiternas, ele não parecia ser tão estupido quanto o diziam. Teria de descobrir, no fim das contas.

Percebeu quando ele se dispôs a acompanhá-la uma indisposição camuflada na necessidade que tinha de manter o emprego. Aquele era, afinal, um momento que isentava as palavras para garantir a compreensão de tudo. Não era difícil para a bárbie captar isso, adepta da manipulação como era, decifrar pessoas era um joguinho interno e individual que adorava praticar. Optou, então, por desarmar-se de suas más intenções. Uma única vez não a tornaria uma boa moça, não é mesmo? Boas garotas são tediosas, e essa definição passava longe do parecer que tinha sobre si mesma.

— Sabe... eu enjoei desse. - sorriu ao retirar os óculos que serviam de tiara para os fios loiros e rebeldes que por poucos minutos adornaram seu rosto, logo sendo afastadas pela destra lesta que os penteou para um das laterais, deixando uma franja em degradê num dos lados.

— Talvez você tenha uma irmã que o queira? - riu simpática, oferecendo o óculos a ele. - Não me entenda mal, mas eu insisto que fique. Tenho muitos modelos similares, e acho que uma garotinha poderia gostar.

Sequer sabia se ele realmente tinha uma irmã, era apenas o que preferia acreditar. De toda sorte, esperava que ele vendesse o objeto e faturasse alguma grana - que a depender dos contatos dele, poderia ser até mais do que o salário que estimou que ele ganhasse. Certo, o que estava havendo com ela? Além de dedicar a ele um dos poucos sorrisos despidos do interesse que era o seu combustível, sentiu-se impelida a ajudá-lo de alguma maneira que não pudesse ofendê-lo.

Não seria difícil pensar que uma patricinha de ar esnobe tem a intenção de te humilhar afinal, pensou consigo mesma, ao ver de relance o seu reflexo no carro devidamente lustrado por um dos rapazes empregados no local. Chacoalhou a cabeça afim de desfazer-se do julgamento que voltou a si mesma e volveu a atenção a ele, tomando a liberdade de enlaçar os braços nos dele, divertindo-se com a ideia do braço forte e molhado dele no seu. Não era todo dia que tocava em um garoto enquanto o resultado de seu trabalho ainda molhava seu corpo, fosse o suor ou até outra opção viável, como no caso dele.

— Gostaria que me levasse ao local que mais o atrai. - olhou-o de maneira travessa, como uma criança inocente - Sei que não pareço ser uma companhia muito agradável em primeira instância, mas, prometo que, se arriscar, pode ser que goste do resultado. Preciso enxergar algo de bonito nessa cidade, além dos seus músculos, claro, são de verdade? - tocou o braço dele com a mão livre, apalpando-o ali e riu-se.

— Digo... é sério. Você parece um garoto capaz de enxergar beleza no simples, e eu tenho precisado de um pouco disso. - parou a frente dele, com as lindas íris azuladas imprimindo o mesmo pedido.

— O que você teria a perder? O máximo que poderia acontecer é você me achar uma loirinha fútil e de pouca inteligência como a maioria das descerebradas saltitantes das Cheerios, mas veja pelo lado bom... Eu sou bonita, isso torna as coisas menos desagradáveis, penso eu, e você vai poder fugir ao trabalho por algum tempo, não lhe parece negócio? - foi sucinta para garantir o entendimento do loiro.

Surpreendeu a si mesma com aquelas ações, entretanto, a verdade pura e simples era que ele lhe parecia uma boa pessoa. Um pouco distraído, não pergunte o porquê, mas alguém com quem não precisaria munir-se para um ataque. Poderia ser apenas o que era em essência, uma jovem garota. A máscara de chienne princesse caiu por terra. Não precisaria dela por hora. Não enquanto com ele. Ele não parecia precisar de alguém tentando tornar sua vida mais complicada do que ela já parecia ser.